Logo
  • Login
  • Cadastro
Logo
< Voltar

Transtornos alimentares

Táki Athanássios Cordás

A anorexia nervosa é um transtorno caracterizado pela restrição alimentar praticada pelo próprio indivíduo, em decorrência de uma obsessão pela magreza. A doença geralmente se manifesta após uma dieta, devido à insatisfação com o peso e a imagem corporal. Muitas vezes, esse descontentamento é injustificado, mas o paciente quer emagrecer à todo custo, porque teme ser gordo.

Desta forma, o anoréxico elimina de sua dieta os alimentos que julga mais calóricos. No princípio, suprime a ingestão de doces e massas e, à medida que o tempo passa, carnes vermelhas e brancas. A restrição alimentar intensifica-se progressivamente. O indivíduo diminui a quantidade de refeições até chegar ao jejum, que pode durar o dia todo, ou limita-se à uma dieta exígua.

Os portadores do transtorno costumam ter baixa auto-estima e uma idéia distorcida da própria imagem. No cotidiano, consultam o espelho e examinam-se freqüentemente, mantendo uma percepção errônea de estarem gordos e com formas aumentadas, mesmo que já tenham perdido muito peso. Costumam usar roupas largas para disfarçar o corpo, o que faz com que familiares e amigos não percebam sua magreza progressiva.

À medida que o anoréxico emagrece, o organismo pode reduzir seu gasto metabólico, como forma de autoproteção. Então, para acelerar a perda energética, o indivíduo começa a praticar exercícios físicos e jejum, além de usar laxantes ou diuréticos. Alguns pacientes chegam a induzir o vômito para evitar os efeitos de uma refeição ou de uma pequena porção de alimento ingerida.

Nas mulheres, a evolução do quatro leva à amenorréia (ausência de menstruação), devido à desnutrição. Em cerca de 20% dos casos, esse problema precede a percepção do emagrecimento. É preciso atenção caso a paciente esteja no início da adolescência, já que a amenorréia será observada com mais dificuldade. Se o transtorno ocorrer no fim da infância, haverá retardo da menarca (primeira menstruação).

Casos de mães com anorexia nervosa merecem atenção redobrada, já que a paciente pode considerar as formas arredondadas de seu bebê ou das crianças como gordura excessiva e reduzir as refeições de seus filhos.

Bulimia

Outro transtorno alimentar bastante comum é a bulimia nervosa. Assim como na anorexia, há uma excessiva preocupação com o peso e a forma corporal. Na bulimia, porém, o indivíduo ingere rapidamente uma grande quantidade de comida e tem a sensação de perda de controle sobre a alimentação. Para compensar o episódio bulímico e manter o peso sob controle, o bulímico induz o vômito, submete-se a dietas rigorosas e exercícios físicos e automedica-se com diuréticos, inibidores de apetite e laxantes.

A bulimia nervosa geralmente começa com uma preocupação exagerada com o corpo. Neste momento, o paciente pode estar com o peso normal ou ligeiramente acima do adequado. Ele quer perder poucos quilos, mas tem pavor de engordar. Inicia-se uma dieta com restrições a alimentos calóricos, sem a obstinação comum entre anoréxicos. Ao contrário do que ocorre na anorexia, o portador de bulimia nervosa não tem o desejo de emagrecer cada vez mais. Em geral, seu peso está normal ou, em poucos casos, com algum sobrepeso.

Entretanto, com o passar do tempo, o indivíduo fica sensibilizado pela mudança de hábitos alimentares. Num dado momento, a fome torna-se incontrolável e o paciente ingere rapidamente uma quantidade excessiva de comida. Imediatamente, ele se sente culpado e até mesmo com mal-estar físico, devido ao excesso. Ocorre-lhe, então, a idéia de induzir o vômito para não engordar. Essa atitude traz satisfação e alívio momentâneos, e o bulímico acredita ter descoberto uma forma ideal de manter o peso sem restringir a alimentação.

Por outro lado, depois do vômito, o indivíduo tem a sensação de estar fazendo algo fora do normal. Sente-se ansioso, culpado e com baixa auto-estima, o que o leva a retomar a dieta, às vezes de forma mais rigorosa, por acreditar que tem controle sobre a situação. A restrição alimentar ainda maior propicia novos episódios bulímicos, intensifica os vômitos, aumenta a ansiedade e piora a auto-estima. O processo transforma-se, então, em um círculo vicioso extremamente prejudicial.

Os episódios bulímicos podem ser intensos. Alguns pacientes chegam a ingerir uma média de 3 a 4 mil k/cal durante a crise. No fim do dia, de acordo com o número de eventos, a quantidade total de kilocalorias pode chegar a 30 mil. Os alimentos podem ser misturados (sólidos com líquidos e doces com salgados) e consumidos frios ou à temperatura ambiente, devido à extrema voracidade. Em alguns casos, o paciente planeja o episódio com antecedência e abastece a despensa com os alimentos calóricos, considerados proibidos.

O vômito auto-induzido é a maneira mais freqüente de compensação do episódio bulímico, mas também são comuns a prática exagerada de exercícios físicos, que pode causar danos nos músculos e ligamentos, e o uso de laxantes, diuréticos, inibidores de apetite e hormônios tireoideanos. As irregularidades menstruais também podem ocorrer, mas não a amenorréia, que é característica da anorexia.

Epidemiologia

A realização de estudos sobre a freqüência da anorexia e da bulimia na população é dificultada pela recusa de muitos pacientes em procurar ajuda profissional. Apenas os casos de maior gravidade costumam ser diagnosticados, o que pode levar a estimativas inexatas de incidência (número de casos novos na população) e prevalência (ocorrência em determinado grupo).

A prevalência mundial da anorexia está estimada de 0,5% a 3,7%,. Estão incluídas nesse índice as síndromes parciais, ou seja, casos em que os pacientes que não apresentam a doença totalmente desenvolvida, com presença de ciclos menstruais ou perda de peso menos intensa. A anorexia costuma afetar mais as mulheres, numa proporção de aproximadamente dez a 12 casos para cada um entre os homens. As pesquisas também mostram que o distúrbio começa a se manifestar, preferencialmente, no início da adolescência e que a incidência é maior entre indivíduos brancos e pertencentes às classes sócio-econômicas média e alta.

Entretanto, a atividade do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ambulim) mostra que os pacientes podem pertencer à qualquer camada social. No Ambulim, a prevalência é maior entre atletas, bailarinas e outras profissões que enfatizam a necessidade de indivíduos magros.

As investigações sobre a bulimia nervosa mostram uma prevalência de 1% a 4% da população de síndromes completas. Assim como na anorexia, o transtorno é mais comum entre mulheres: para cada cinco casos femininos, há um masculino. O início da doença costuma ser um pouco mais tardio que na anorexia nervosa, ocorrendo geralmente no fim da adolescência ou no início da fase adulta.

Há algum tempo, a bulimia era descrita como mais freqüente entre indivíduos brancos, de classes economicamente mais favorecidas e países desenvolvidos. Atualmente, verifica-se sua ocorrência em diversas etnias e classes sociais, inclusive nos países em desenvolvimento. Os grupos de risco são semelhantes aos da anorexia: modelos, profissionais da moda, jóqueis, ginastas e boxeadores.

Tratamento

O tratamento da anorexia e da bulimia deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar, com atendimento psiquiátrico, psicológico e nutricional. Durante estágios do tratamento, pode ser necessária a ajuda de outros profissionais, como enfermeiro, acompanhante terapêutico, terapeuta ocupacional, educador físico ou outro profissional. A aliança dessa equipe com o paciente é uma forma de assegurar a adesão à terapia.

As técnicas cognitivo-comportamentais também são instrumentos importantes. Embora a psicoterapia individual ajude nos conflitos psicodinâmicos, não há evidência que algum modelo particular seja mais eficaz no tratamento. A terapia familiar ou de casal deve ser adotada, já que alterações nessa esfera contribuem para a persistência dos transtornos alimentares, principalmente no caso de adolescentes.

A associação da anorexia e da bulimia com outra doença psiquiátrica, como a depressão, é muito comum. No caso dos episódios compulsivos, o uso de antidepressivos pode ser necessário. Devido às complicações clínicas decorrentes dos transtornos alimentares, que envolvem risco de morte, é importante avaliar aspectos físicos e laboratoriais durante o período de acompanhamento.

Táki Athanássios Cordás é coordenador geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Contato: ambulim@ambulim.org.br

Você também pode se interessar por:

Imagem referente Dependência química

Dependência química