Depressão
* Ricardo Moreno
A depressão é um doença que se caracteriza por um período mínimo de duas semanas em que a pessoa se sente triste, melancólica ou “para baixo”, com sensações de aperto no peito (angústia), inquietação (ansiedade), desânimo e falta de energia. O indivíduo permanece apático, perde a motivação, acha tudo sem graça ou sem sentido, torna-se pessimista e preocupado. Tal estado afeta o organismo como um todo e compromete o sono, o apetite e a disposição física.
A manifestação do quadro clínico é bastante variável. A depressão pode ser intermitente ou contínua, durar algumas horas ou um dia inteiro, durante semanas, meses ou anos. Além disso, a intensidade do sofrimento costuma mudar ao longo do tempo.
Tristeza x depressão
A depressão não deve ser confundida com “fossa” ou “baixo astral”. A tristeza faz parte da vida psicológica normal, assim como a alegria e outros sentimentos. Fica-se triste por motivos externos, como fatos, notícias ou acontecimentos desagradáveis, ou por estímulos internos, como recordações ou vivências negativas, que tenham algum significado para a pessoa. Quando o indivíduo está triste, consegue manter sua rotina – trabalhar, estudar, namorar etc – e desfrutar da vida, até mesmo sentir alegria (por exemplo, ao receber uma boa notícia ou se algo agradável acontecer). A tristeza geralmente é passageira e está diretamente relacionada a estímulos identificáveis.
O deprimido geralmente percebe que seus sentimentos diferem de tristezas sentidas anteriormente ou do estado negativo causado pelo luto. A depressão costuma ser mais duradoura que as simples oscilações normais do humor. Situações estressantes causam um sofrimento desproporcionalmente maior e mais prolongado. Tudo se transforma em problemas mais pesados e difíceis de se resolver.
Ao contrário de quem sente tristeza, o deprimido tende a se isolar. A pessoa triste procura se distrair e se ajudar, enquanto que o deprimido perde o interesse e a força de vontade e não consegue se alegrar como antes. Alguns passam a maior parte do dia se ocupando sem parar, encontrando nas atividades um meio de se esquecer da depressão. Podem ficar mal humorados, irritáveis e insatisfeitos, mas também podem se esforçar para aparentar bem-estar. Essa luta mina as forças já abaladas pela própria depressão e aumenta ainda mais a irritabilidade e a impaciência.
Sinais da depressão
O deprimido geralmente percebe que não está bem, mas nem sempre reconhece que se trata de uma doença e atribui o fato a situações de vida. A família e os amigos tendem a lhe atribuir falhas, como falta de vontade ou de esforço para reagir, preguiça, chantagem, defeito de caráter, pouca fé ou atividade, entre outras. Esse tipo de reação piora ainda mais o estado do paciente.
O indivíduo deprimido costuma apresentar os sintomas descritos a seguir. A presença de cada um dos três primeiros itens e pelo menos dois dos seguintes é suficiente para caracterizar a depressão. Sintomas isolados não são suficientes para o diagnóstico.
• humor depressivo ou irritabilidade, ansiedade e angústia;
• desânimo, cansaço fácil, necessidade de maior esforço para fazer as coisas;
• diminuição ou incapacidade de sentir alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis;
• desinteresse, falta de motivação e apatia;
• falta de vontade e indecisão;
• sentimentos de medo, insegurança, desesperança, desespero, desamparo e vazio;
• pessimismo, idéias freqüentes e desproporcionais de culpa, baixa auto-estima, sensação de falta de sentido na vida, inutilidade, ruína, fracasso, doença ou morte. A pessoa pode desejar morrer, planejar uma forma de morrer ou tentar suicídio;
• interpretação distorcida e negativa da realidade: tudo é visto sob a ótica depressiva, um tom “cinzento” para si, os outros e seu mundo;
• dificuldade de concentração, raciocínio mais lento e esquecimento;
• diminuição do desempenho sexual (pode até manter atividade sexual, mas sem a conotação prazerosa habitual) e da libido;
• perda ou aumento do apetite e do peso;
• insônia (dificuldade de conciliar o sono, múltiplos despertares ou sensação de sono muito superficial), despertar matinal precoce (geralmente duas horas antes do horário habitual) ou, menos freqüentemente, aumento do sono (dorme demais e mesmo assim fica com sono a maior parte do tempo);
• dores e outros sintomas físicos não justificados por outros problemas médicos, como dores de barriga, má digestão, azia, diarréia, constipação, flatulência, tensão na nuca e nos ombros, dor de cabeça ou no corpo, sensação de corpo pesado ou de pressão no peito, entre outros.
Intensidade
O paciente com depressão leve sente-se angustiado pelos sintomas e tem alguma dificuldade em continuar com o trabalho e as atividades sociais do dia-a-dia, mas provavelmente não irá parar suas funções completamente. Geralmente, consegue trabalhar com muito esforço e convive com a depressão às custas de sofrimento, redução na qualidade de vida, cansaço, mau humor e irritabilidade em graus variáveis. Seu desempenho fica aquém do que seria possível.
Na depressão moderadamente grave, existe uma dificuldade considerável de se manter atividades sociais, profissionais ou domésticas. O desempenho no cotidiano fica perceptivelmente comprometido.
Durante um episódio depressivo grave, é improvável que o paciente seja capaz de continuar com suas atividades, a não ser que seja de forma muito limitada. Normalmente, o indivíduo é incapaz de descrever seus sintomas em detalhes. Além da angústia ou da agitação, pode haver lentidão dos atos. Além do sentimento de inutilidade, baixa auto-estima e culpa, o pensamento de morte ou a idéia de suicídio são proeminentes. O risco de uma atitude fatal é elevado.
As depressões graves também podem causar delírios (crenças irreais, irracionais que não são compartilhadas pelos outros e não são passíveis de argumentação lógica) e alucinações (percepções e sensações fora da realidade, como ouvir vozes que não existem).
Pelas características clinicas, a depressão pode ser classificada como bipolar (alterna estados de euforia e depressão), psicótica (envolve delírios e/ou alucinações), atípica (padrão diferente do habitual), pós-parto, sazonal (relacionada à época do ano), melancólica ou endógena (forma mais típica) ou ser chamada de distimia (leve, crônica e de curso variável). A doença também pode ser originada por efeito de medicamentos, enfermidades e uso de drogas.
Causas
A depressão é uma doença. Há uma série de evidências que mostram alterações químicas no cérebro do indivíduo deprimido, principalmente com relação aos neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e, em menor proporção, dopamina), substâncias que transmitem impulsos nervosos entre as células. Outros processos que ocorrem dentro das células nervosas também estão envolvidos. Ao contrário do que normalmente se pensa, os fatores psicológicos e sociais muitas vezes são conseqüência e não causa da depressão. Vale ressaltar que o estresse pode precipitar a depressão em pessoas com predisposição, que provavelmente é genética.
A prevalência (número de casos numa população) da depressão é estimada em 19%, o que significa que aproximadamente uma em cada cinco pessoas no mundo apresentam o problema em algum momento da vida. Uma pesquisa feita no Brasil identificou uma taxa de 17,9% entre 1464 pessoas de classe média, com idade superior a 18 anos na capital paulista.
Em 1996, um trabalho conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Banco Mundial e pela Universidade de Harvard identificou a depressão unipolar (sem alternância no estado de humor) como a quarta principal doença incapacitante em todo o mundo. O ônus causado pelas enfermidades foi avaliado em termos de anos de vida perdidos por morte prematura ou vividos com limitação importante. A estimativa da OMS é de que a depressão passe para o segundo lugar em 2020, perdendo apenas para as doenças do coração.
Conseqüências
As conseqüências da doença dependem da gravidade e da duração do episódio depressivo, de sua identificação e do tratamento. Depressões leves, porém longas, trazem maior comprometimento social e profissional do que as formas mais graves de curta duração. Deprimidos graves, de modo geral, recebem tratamento mais precocemente, por serem diagnosticados com maior facilidade.
Entre as conseqüências estão perda do emprego ou suspensão do estudo, problemas de relacionamento, cansaço e distorção negativa dos fatos. O principal risco é o de suicídio. Essas tentativas devem ser levadas a sério, e a atenção ao deprimido precisa ser imediata. Quando não tratada, a depressão também está associada a maior risco de morte por doenças cardíacas. Ela pode piorar a evolução de outras enfermidades. Um dos motivos é que o deprimido descuida de si mesmo e dos tratamentos.
O episódio depressivo, se não tratado, dura em média de seis a oito meses. A reincidência das crises pode levar à cronificação, isto é, à persistência de sintomas, mesmo que em menor intensidade. Daí a necessidade do tratamento, que além de proteger o paciente, promove o alívio do sofrimento, reduz o prejuízo funcional e diminui o risco de morte.
O indivíduo que apresentou um episódio depressivo tem 50 % de chances de sofrer outra crise ao longo da vida. Para os que já passaram por duas ou mais ocorrências, esse percentual varia de 80 a 90 %, o que caracteriza a depressão recorrente. Muitos pacientes requerem tratamento por muitos anos, alguns por toda a vida. A depressão não tem cura, porém, com os tratamentos disponíveis, é bem possível que a pessoa leve uma vida normal.
Tratamento
O tratamento da depressão é essencialmente medicamentoso. Existem mais de 30 antidepressivos disponíveis. Ao contrário do que alguns temem, essas medicações não são como drogas, que deixam a pessoa eufórica e provocam vício. A terapia é simples e, de modo geral, não incapacita ou entorpece o paciente.
Os antidepressivos são administrados em doses menores no início, que são modificadas conforme o paciente melhora e passa a tolerar os efeitos colaterais. O efeito inicial demora, em média, de dez a 15 dias. Uma vez atingida a dosagem ideal, ela é mantida por pelo menos seis ou oito meses, mesmo que o paciente tenha melhorado totalmente, a fim de se evitar recaídas. Alguns pacientes precisam de tratamento de manutenção ou preventivo, que pode levar anos ou a vida inteira, para evitar o aparecimento de novos episódios.
A psicoterapia ajuda o paciente, mas não previne novos episódios, nem cura a depressão. A técnica auxilia na reestruturação psicológica do indivíduo, além de aumentar sua compreensão sobre o processo de depressão e na resolução de resolver conflitos, o que diminui o impacto provocado pelo estresse.
Em alguns casos, é necessário hospitalizar o paciente para protegê-lo ou para cuidar de comprometimentos físicos causados pela depressão. Em quadros muito graves ou que não respondam aos tratamentos convencionais, pode ser preciso aplicar o eletrochoque.
Ricardo Moreno é professor do Departamento de Psiquiatria e coordenador do Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Gruda).
Contato: ricardo@cesame.com.br
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