Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
Eurípedes Miguel, Roseli Shavitt e Maria Alice de Mathis
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) caracteriza-se pelo comportamento alterado devido a obsessões e/ou compulsões. As obsessões são pensamentos, representações mentais ou impulsos repetidos, involuntários e desagradáveis. São reconhecidas como produtos do próprio psiquismo do indivíduo, geralmente estranhos ao conjunto de experiências, conhecimentos e afetos que lhe servem de referência.. Apesar de esforçar-se, a pessoa não consegue eliminar essas idéias de sua consciência.
As compulsões, por sua vez, são comportamentos repetitivos e intencionais, motores ou mentais, que geralmente têm como objetivo diminuir sentimentos desagradáveis decorrentes das obsessões. Podem ser acompanhadas ou não das obsessões.
Para serem considerados como um problema médico, os sintomas das obsessões e das compulsões devem ocupar pelo menos uma hora por dia do indivíduo, causar algum tipo de interferência no desempenho das atividades cotidianas ou provocar sofrimento.
A maioria dos pacientes consegue perceber que as obsessões e compulsões são ilógicas, embora crianças ou portadores de formas mais graves do TOC possam não apresentar tal crítica. Nesse caso, ou quando o indivíduo reconhece apenas parcialmente os seus sintomas, classifica-se o transtorno como “TOC com crítica pobre”.
Obsessões e compulsões
As obsessões e compulsões mais comuns são preocupações com contaminação e agressão e comportamentos de limpeza e verificação, respectivamente. Outros sintomas freqüentes são: preocupação com ordem e simetria, hábito de colecionar objetos, escrupulosidade moral e medo de impulsos sexuais. Uma situação rara, mas que deve ser levada em consideração, é a lentidão obsessiva, em que o paciente demora exageradamente para realizar tarefas diárias, provavelmente devido à indecisão, medo de errar ou causar danos.
Em alguns casos, os pensamentos obsessivos não são acompanhados de ritual compulsivo. Há também compulsões desvinculadas de medos específicos ou estruturados, que apenas aliviam uma sensação ruim de ansiedade ou angústia, ou ainda, de que algo está incompleto ou incorreto. Um exemplo é a necessidade de organizar os livros na prateleira de uma forma simétrica, sem medo ou obsessão associada, apenas pela exigência de sentir que os livros estão visualmente em ordem.
Histórico
Os sintomas do TOC são descritos na literatura médica desde o século XIX, e provavelmente sempre acompanharam o homem. Há 40 anos, foram descobertos tratamentos farmacológicos eficazes para o transtorno, e o problema vem sendo investigado mais profundamente.
Até os anos 50, o TOC era considerado raro, com uma ocorrência estimada em 0,05% na população geral. Atualmente, sabe-se que esse número está em torno de 2% a 3%, ocupando o quarto lugar entre os transtornos psiquiátricos mais freqüentes (perde apenas para as fobias, o abuso de substâncias e a depressão maior).
A causa do distúrbio ainda é desconhecida, mas os especialistas acreditam que sua origem seja múltipla. A idéia mais aceita é que o TOC seja o resultado da interação entre uma predisposição genética, portanto herdada, e fatores ambientais (sociais, infecciosos) e psicológicos. Investigações neurobiológicas sugerem que determinadas regiões cerebrais (denominadas córtex orbital pré-frontal, córtex do cíngulo anterior, gânglios da base e tálamo) estejam envolvidas no mecanismo do transtorno (estudos de neuroimagem em portadores do TOC mostram aumento do metabolismo da glicose, indicando aumento da atividade cerebral, do córtex orbitofrontal e do núcleo caudado).
Os pacientes demoram, em média, 17 anos até receberem um diagnóstico correto, em parte por dificuldade de expor os seus sintomas aos profissionais de saúde. Porém, uma vez reconhecida o transtorno, as chances de melhora com a terapia convencional são de aproximadamente 60% a 80%. Após a suspensão do tratamento, a taxa de recaída é alta, o que pode ser atenuado pela combinação com a terapia comportamental.
Evolução
Na maioria dos casos, o TOC é um transtorno crônico, que pode evoluir com períodos de melhora e piora. A evolução com curso episódico, apenas quando há crises, e remissão completa e duradoura dos sintomas são situações raras. O modo como o distúrbio se desenvolve parece variar em função da idade em que os sintomas começam a se manifestar, tipos de sintomas, desenvolvimento do transtorno, histórico familiar, associação com outros problemas psiquiátricos e fatores sociais e ambientais.
A maioria dos portadores de TOC apresentam sintomas leves e podem levar uma vida normal, com bons relacionamentos afetivos e sociais e desempenhos acadêmico e profissional satisfatórios. Entretanto, as formas mais graves do distúrbio prejudicam significativamente esses aspectos. Menos de 10% dos casos enquadram-se nesse perfil. Alguns pacientes dessa categoria ficam presos em casa realizando seus rituais o tempo todo, tornando-se praticamente incapacitados.
Tratamento
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o tratamento psicológico mais indicado para casos leves do distúrbio. Para os pacientes com sintomas moderados ou graves, o tratamento farmacológico ou combinado com a TCC é o apropriado.
Os sintomas do distúrbio podem ser controlados com o tratamento medicamentoso e a terapia comportamental. Estudos farmacológicos já mostraram a eficácia de antidepressivos, que atuam como inibidores de recaptação da serotonina, um neurotransmissor presente no cérebro. Pesquisas sugerem que o sistema serotoninérgico (que libera a serotonina) tem um papel central na modulação dos sintomas obsessivo-compulsivos. Portanto, esses antidepressivos são os mais indicados para o TOC. O início do efeito terapêutico desses medicamentos varia de duas a quatro semanas e, após a melhora, costuma-se manter a medicação por pelo menos um ano. A suspensão precoce do tratamento tende a ser seguida de recaídas. Já os antidepressivos que atuam sobre a noradrenalina, um outro neurotransmissor, não teriam o efeito desejado.
Recentemente, foram feitos estudos sobre a aplicação da neurocirurgia em casos de TOC, incluindo técnicas reversíveis e irreversíveis, como a estimulação cerebral profunda. Estes procedimentos interferem nos circuitos neurais provavelmente envolvidos no TOC. No entanto, esses tratamentos são recomendados apenas para pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais e estão incapacitados pelo seu transtorno.
Eurípedes Miguel é professor associado do departamento de Psiquiatria e coordenador do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc) do Instituto de Psiquiatria da FMUSP; Roseli Shavitt é psiquiatra do Protoc; Maria Alice de Mathis é psicóloga do Protoc.
Para saber mais:
http://www.protoc.com.br
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