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Antidepressivos

* Márcio Bernik, Ivan Mário Braun e Fábio Corregiari

Uma das principais preocupações de quem precisa tomar antidepressivos ou tranqüilizantes (ansiolíticos) é se esses medicamentos podem causar dependência. Ou seja, mesmo pacientes que percebem que se beneficiam do uso destes medicamentos estão preocupados com o risco de ficarem “viciados”.
O receio da dependência decorre da generalização que se costuma fazer entre remédios que agem sobre o cérebro e as chamadas “drogas de abuso” ou “ilícitas”, como a maconha e a cocaína, que também agem sobre o cérebro, porém são usadas por sua capacidade de causar sensações agradáveis e desejadas como por exemplo euforia. De uma maneira bem simples a capacidade de uma substância que age sobre o cérebro causar dependência, ou viciar, é ligada a esta capacidade de causar euforia ou outra sensação extremamente agradável logo após o seu uso. Tal efeito reforça o desejo de consumo e leva à dependência.
Muitas pessoas acreditam que todas as medicações de uso psiquiátrico (psicotrópicas) podem ter esse resultado. A crença é corroborada por alguns profissionais não-médicos como psicólogos ou não-psiquiatras como clínicos gerais, que afirmam ao paciente que ele pode estar “dependente” do medicamento. Entretanto, nem todos os medicamentos que agem no cérebro têm este poder de causar dependência. 
De fato, alguns indivíduos que param de tomar antidepressivos podem sentir-se mal. Esse efeito pode ter dois motivos. O primeiro é que a interrupção abrupta de algumas medicações, como a paroxetina e a venlafaxina, pode causar uma “síndrome de descontinuação” pela interrupção abrupta da ação de uma substância chamada serotonina sobre o cérebro. As suas características são náusea, tontura e outros sintomas desagradáveis. Para evitar o problema, basta suspender o remédio aos poucos, sob orientação médica. Após alguns dias a sensação desaparece e o indivíduo nunca vai apresentar “fissura” e “recair do uso”.
Uma segunda situação diz respeito ao retorno dos sintomas, que costuma ocorrer, em alguém que já está bem, pelo menos 4 a 6 semanas após a suspensão do antidepressivo. Nesse caso, o medicamento não teve um efeito curativo, apenas controlou as manifestações do transtorno. Trata-se de uma ocorrência bastante comum, uma vez que a depressão e vários outros distúrbios tratados com antidepressivos podem ser crônicos e exigem um tratamento prolongado. A solução é continuar com o uso e manter o acompanhamento médico. 
A verdadeira síndrome de dependência ocorre, por exemplo, com o álcool, o tabaco e substâncias ilegais. O comportamento do usuário passa a girar em torno de como conseguir e consumir drogas, e o restante da vida acaba esquecido. O problema raramente ocorre com antidepressivos. Os relatos médicos referem-se a apenas uma medicação da categoria, a amineptina, com esse potencial. Um caso de dependência também já foi verificado com a tranilcipromina. Vale ressaltar que os pacientes que ficaram dependentes desses remédios já haviam usado outras drogas de forma abusiva, havendo assim uma propensão para a dependência de substâncias. 
Na categoria dos tranqüilizantes, a questão da dependência merece ser debatida com mais cuidado. É fato que os barbitúricos, basicamente os de ação curta, são os que podem causar dependência. Entretanto, essas substâncias não são mais usadas como ansiolíticos ou hipnóticos. Desde o início dos anos 60 foram sendo substituídos pelos benzodiazepínicos, cujas principais vantagens eram justamente o menor risco de dependência e menor risco de morte nos casos de envenenemento. 
Os benzodiazepínicos, por sua vez, também podem gerar uma síndrome de abstinência se o tratamento for interrompido abruptamente. Está chance será sempre maior se o tempo de uso for muito longo (anos), se as doses usadas forem muito altas ou ainda no caso de uso de benzodiazepínicos de ação curta ou ultra-curta como o triazolam , o midazolame e flunitrazepam. Os sintomas mais comumente relatados são ansiedade e insônia – justamente aqueles para os quais os medicamentos foram prescritos em primeiro lugar. Em alguns casos os sintomas tornam-se mais intensos que antes do tratamento. Em situações mais graves, felizmente raras, há risco de convulsões. Esses efeitos configuram uma dependência fisiológica ou física, basta interromper seu uso de forma gradual, sob orientação médica, para evitar episódios de abstinência. 
Pacientes com transtornos de ansiedade também podem sofrer recorrência de sintomas ao interromper, mesmo que de forma gradual, o uso de um benzodiazepínico. Muitos retomam a utilização do medicamento. No entanto, como no caso da depressão, não se trata de um remédio que causou dependência, mas sim de um transtorno que não foi curado.
É incomum que os benzodiazepínicos causem síndrome de dependência de substância, como as alterações comportamentais previamente descritas. Os benzodiazepínicos com maiores chances de causar vício são os mais potentes, com início e término de ação rápidos, principalmente quando administrados por vias que potencializam a rapidez de sua ação (injeção nas veias e aspiração pelo nariz). Os relatos de dependência química de benzodiazepínicos referem-se a pessoas que abusam de outras drogas e/ou têm transtornos de personalidade. 
Em resumo, a síndrome de dependência, verificada com o álcool, a cocaína, a maconha e a nicotina, entre outros, caracteriza-se não apenas pelo uso da substância e a dificuldade em interrompê-lo, mas também pelo consumo compulsivo, em doses cada vez mais freqüentes, perda de controle e recaídas de utilização meses ou anos após a interrupção. Esses eventos não ocorrem com a maioria dos usuários de antidepressivos e benzodiazepínicos. Desde que os médicos prescrevam essas drogas com cuidado, os benefícios são imensamente maiores que os riscos.

* Márcio Bernik é médico psiquiatra formado pela FMUSP, doutor em Psiquiatria pela FMUSP e Professor Colaborador Médico do Departamento de Psiquiatria da FMUSP. Atualmente coordena o Ambulatório de Ansiedade do IPQ FMUSP. 


Ivan Mario Braun é médico psiquiatra formado pela FMUSP, mestre pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSP. 


Fábio Corregiari é médico psiquiatra formado pela FMUSP, atualmente aluno de pós graduação (doutorado) do Departamento de Psiquiatria da FMUSP

 


Edição: Solange Henriques

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